Tiraram a plaquinha de aluga-se | por Tati Bernardi


Resolvi morar sozinha e passei os últimos três meses procurando um apartamento para alugar. Gostei logo de cara de um no Itaim, rua tranquila, vista para várias árvores charmosas, todo pequenininho e aconchegante. Quando entrei nele senti algo especial, estranho, familiar, algo muito bom.Mas não, não se pode ficar com o primeiro que aparece, não é mesmo? O Itaim tem muito trânsito, prédios antigos dão problema na fiação e no encanamento, a garagem era pequena, enfim, continuei procurando. 
Depois daquele apartamento vi pelo menos mais uns 30, mas o dito cujo não saia da minha cabeça. A varandinha azul, as vaguinhas para visitantes ao lado, o porteiro velhinho que só sorria. Eu estava apaixonada. Mas não,o mundo tem tantas opções, não é mesmo? Não se pode ir ficando com o primeiro que aparece, ainda mais um primeiro com tantos defeitos: a cozinha era muito antiga, a porta do banheiro batia no bidê (pra que bidê?) e a proprietária não abria mão do carpete (eu sou alérgica). 
tempo passou, prédios modernos, mais baratos, com vistas melhores e até mesmo com banheiros gigantes (eu amo banheiros) passaram, e eu nunca tirei o predinho da rua Jesuíno da cabeça. Eu me dizia o tempo todo “o que é do homem, o bicho não come” e seguia a vida tranquila sabendo que quando finalmente chegasse a hora de me decidir, ele estaria lá esperando por mim. 
Eu precisava experimentar o mundo, eu precisava conhecer outros cantos, cheiros e vistas, não, de maneira nenhuma eu poderia me deixar levar pelos sentimentos e assinar um contrato de fidelidade. Um dia eu estaria pronta para sair de casa e ser uma mulher, um dia eu estaria pronta para não ter mais que olhar pro lado pra poder olhar pra frente. Um dia eu poderia ser dele e então, ele seria meu. 
Ontem resolvi passar por lá, não para resolver nada e nem para levar minha mudança, apenas para continuar minha paquera medrosa e distante, saber se estava tudo bem com o meu amor e esquentar um pouquinho nosso relacionamento cheios de dúvidas. Quando fui chegando perto não pude acreditar: a placa de aluga-se não estava mais lá! 
Meu coração cheio de fúria não cabia dentro de mim, eu atravessei a rua correndo, apertei a campainha como um fantasma faminto inconformado com a morte mas impotente e invisível. Depois de muito tempo o porteiro berrou sem nem se dar ao trabalho de mostrar o rosto: já tem gente morando lá, foi alugado semana passada! 
Voltei para meu carro e chorei o choro mais profundo, antigo e verdadeiro que já chorei em toda a minha vida. Um choro daqueles contidos pela eternidade. 
Me recordei rapidamente de todas as pessoas e coisas que perdi por ainda não estar preparada para elas, ou por ainda ter muita curiosidade de mundo e dificuldade em ser permanente. 
Me lembrei de vários lugares que trabalhei e acabei saindo porque era muito nova para me enterrar numa mesa de escritório dez horas por dia, mas eram lugares com pessoas, chefes e trabalhos muito divertidos e inesquecíveis. 
Recordei de amigos e parentes distantes, aqueles que eu sempre deixo pra depois porque moram muito longe ou acabaram se tornando pessoas muito diferentes de mim, sempre penso “mês que vem faço contato com eles”. E se não tiver mês que vem? 
Finalmente chorei todos os meus amores que acabaram, todas as portas que eu deixei entreabertas (porque sou péssima em fechá-las) e que se fecharam pela vida: a maioria casou, juntou, sumiu, nem sei por onde anda. Alguém quis fazer desses amores perdidos moradias e eu mais uma vez fiquei sem minha placa de “aluga-se”. 
Enfim chorei o fim de tudo, assim é a vida, uma morte a cada dia. Depois, como sempre, limpei o rosto e continuei procurando pela minha casa. Estar sempre insatisfeito, na verdade, é o que faz a gente nunca desistir de seguir em frente e quem sabe um dia se encontrar nesse mundo.